A arquitetura afeta o comportamento do indivíduo: a ligação entre a neurociência e o ambiente construído
Em busca de melhorias na qualidade de vida da população, profissionais dos setores de arquitetura e engenharia têm dedicado cada vez mais tempo ao estudo da ligação entre os ambientes construídos e o comportamento humano, encontrando elos importantes nas áreas da psicologia e da neurociência.
Os resultados têm sido extremamente positivos, fazendo grandes empresas repensarem seus ambientes de trabalho, proporcionando mais satisfação, motivação e saúde aos funcionários. O mesmo pode ser dito dos hospitais: abandonando os conceitos tradicionais, vários projetos nos Estados Unidos têm adotado novos formatos como um meio para proporcionar cura acelerada e estresse reduzido para os pacientes.
Hoje falaremos mais sobre a ligação entre a neurociência e o ambiente construído, além dos seus efeitos sobre o nosso comportamento.
O que é Psicologia Ambiental?
A Psicologia Ambiental é uma subárea da psicologia, cujo foco é a inter-relação do indivíduo e as suas ações com o meio ambiente. Neste contexto, tanto o ambiente influencia o comportamento das pessoas como estas são capazes de modificá-lo. O termo Psicologia Ambiental foi utilizado pela primeira vez por Brunswik, em 1943, mas foi somente na década de 1970 que os primeiros livros foram publicados, o que revela o quão recente é o tema.
Trata-se de uma nova abordagem centrada no ser humano, levando em consideração as dimensões sociais e culturais, as quais afetam diretamente o comportamento do indivíduo frente ao ambiente.
Para Sarah Wiliams Goldhagen, o campo da psicologia ambiental é “um argumento construído meticulosamente para repensar completamente a nossa forma de ver a arquitetura”. Segundo a autora, a arquitetura e o ambiente construído são elementos centrais para a formação de nossas identidades, o que confere um peso ainda maior para a matéria.
Um dos grandes diferenciais da Psicologia Ambiental em relação às abordagens convencionais, como a arquitetura crítica, é o fato de ela considerar a experiência do usuário na equação, exigindo uma abordagem multidisciplinar para atacar a complexidade dos problemas levantados.
Por isso, a Psicologia Ambiental tem estreita relação com outras áreas do conhecimento, a exemplo da Geografia, Sociologia, Ecologia e Antropologia, além de sofrer influências do Behaviorismo, como destaca Michelle Costa.
A Teoria de “Environmental Role”
Por tratar de uma inter-relação entre ambiente e pessoas, é frequente a utilização do termo “Environmental Role”, traduzido como o papel exercido pelo ambiente. Esta teoria foi proposta por Canter em 1977 e descreve os padrões de interação desenvolvidos pelos indivíduos em um determinado ambiente.
A questão central para o Environmental Role é o fato de que diferentes vivências, culturas e aspectos demográficos são vitais para entender como cada indivíduo responde ao espaço. Isso fica nítido ao compararmos, por exemplo, a percepção de uma pessoa que trabalha em uma loja em relação a um consumidor que a visita para comprar um produto. São experiências e contextos completamente diferentes e que devem ser considerados.
Como a arquitetura do ambiente físico afeta o comportamento do indivíduo?
A arquitetura deve ser encarada como uma forma de otimizar um espaço para funções específicas. Como tal, ela deve trabalhar em conjunto com as necessidades dos clientes, atendendo a questões como dimensionamento espacial, iluminação, organização e funcionalidade.
Todos os elementos do espaço são percebidos por seus frequentadores, que reagem através de estímulos sensoriais, incluindo visão, olfato, cinestesia e audição. Cores diferentes podem estimular a atividade cerebral ou promover o relaxamento, por exemplo, cabendo aplicação em diferentes lugares, de acordo com o objetivo a ser atingido.
Um exemplo claro de como a arquitetura pode afetar nossa percepção é a Thorncrown Chapel. Projetada por Fay Jones, essa capela possui um design único, com padrões colineares formados pelas vigas. Por conta do ângulo pelo qual nós as observamos, a impressão que temos é de que as linhas não estão em paralelo, apesar de serem perfeitamente simétricas. Isso estimula nosso cérebro e demonstra como o nosso sistema visual funciona e se apropria da informação, como ressalta David Albright.
Diversos são os fatores ambientais capazes de afetar o comportamento das pessoas. A amplitude e a tipologia da distribuição de móveis, por exemplo, podem favorecer a comunicação, ao passo de que espaços mais confinados podem inibir a criatividade, passando uma sensação de opressão e desconforto.
Publicado em 2004, o estudo “The Role of the Physical Environment in the Hospital of the 21st Century: A Once-in-a-Lifetime Opportunity”, de Roger Ulrich e Craig Zimring, mostra como o ambiente hospitalar é um dos maiores responsáveis pela manifestação de níveis altíssimos de stress, tanto de pacientes quanto de profissionais, algo que eleva ainda mais o risco de falhas humanas.
Citado na pesquisa, um dos aspectos mais importantes na hora de projetar o ambiente físico é a iluminação e a colocação das janelas e portas. A depender do material utilizado, elas podem servir tanto para ampliar quanto para restringir o campo de visão das pessoas, além de afetarem diretamente a quantidade de luz propagada pelo espaço.
TED – Biomimética e o aprendizado que podemos ter com a natureza
Tratando a questão do impacto da arquitetura sobre a qualidade de vida e os níveis de produtividade, o arquiteto Michael Pawlyn reforça a necessidade de luz natural, afirmando que um ambiente ideal em termos de iluminação e ventilação não deve ter mais do que 12 metros de profundidade – de forma que cada pessoa não se situe a mais do que 6 metros de cada janela.
A importância da luz natural
Os impactos da luz do sol no ambiente e na qualidade de vida das pessoas vem sendo amplamente estudados, mostrando claramente uma correlação com qualidade de vida, saúde e produtividade.
Pesquisas publicadas pelo Eco Business mostraram que ambientes suficientemente banhados pela luz natural causaram um aumento de 5 a 40% em produtividade e capacidade de vendas dos funcionários. O mesmo resultado foi observado em escolas: alunos foram capazes de reter mais informações quando colocados em ambientes iluminados, repletos de janelas.
Outro estudo conduzido pela Northwestern University de Chicago concluiu que trabalhadores situados em escritórios com ampla iluminação natural dormem em média 46 minutos a mais por noite em relação a indivíduos que trabalham apenas sob a luz artificial. Também foram mostrados sinais de melhor qualidade do sono, com mais tempo na fase de sono profundo e menos propensão a agitações, sonambulismo e ronco.
Arquitetura inteligente para melhorar vidas
Além das vantagens citadas, outro benefício da luz natural para os ambientes é a possibilidade do cultivo de plantas em interiores. O pesquisador indiano Kamal Meattle, em uma das conferências do TED Talks, apresentou o seu próprio case. Diagnosticado com uma severa alegria ao ar de Nova Deli, ele teve sua capacidade pulmonar reduzida em cerca de 70%.
Buscando a ajuda do IIT (Instituto de Tecnologia da Índia), TERI (Instituto de Energia e Recursos) e conhecimentos provenientes da NASA, Kamal e sua equipe chegaram a três espécies de plantas que, juntas, são capazes de melhorar significativamente a qualidade do ar e neutralizar praticamente todos os elementos contaminantes de um ambiente.
As três espécies mencionadas pelo pesquisador são:
- Palmeira Areca (ou Areca-bambú, uma das mais cultivadas no Brasil)
- Espada-de-são-jorge (também conhecida como língua-de-sogra)
- Jiboia (Epipremnum Aureum, Dama do lago, conhecida lá fora como Money plant, ou árvore do dinheiro)
A Palmeira e a Espada-de-são-jorge capturam o CO2, convertendo-o em oxigênio. Já a Dama do Lago elimina o formaldeído e outros químicos nocivos que podem estar presentes no ar.
O resultado dessa combinação entre luz e plantas? Nada menos do que 20% de aumento de produtividade dos funcionários, os quais sofreram 54% menos com irritação ocular, além de observarem redução de problemas respiratórios na faixa de 34%. Outro impacto positivo foi a queda de 15% no consumo de energia, devido à menor necessidade de equipamentos para purificação e movimentação do ar.
Notem que estamos falando de benefícios proporcionados por plantas, mas que só puderam estar presentes naquele espaço graças ao planejamento adequado do ambiente físico, por meio de uma arquitetura inteligente que preza pela sustentabilidade e qualidade de vida, transformando completamente o ambiente e gerando impactos significativamente positivos sobre os frequentadores daquele espaço.
Desta forma, fica evidente o impacto que a arquitetura dos ambientes tem sobre o comportamento dos indivíduos. Eles moldam nossas atitudes e podem ser fator decisivo na separação entre companhias que atuam com grande produtividade e aquelas que sofrem com pressão, stress e baixa motivação.
Conforme ressalta a autora Sarah Williams Goldhagen, apesar de preferirmos padrões ambientais aos quais já estamos acostumados, eles não necessariamente são os melhores para uma determinada situação. Por isso, ela ressalta que não há soluções perfeitas. É preciso construir o melhor projeto junto aos clientes, trabalhando sobre as necessidades específicas do dia a dia e as diferentes pessoas que ocuparão o ambiente.
Fonte(s): TED Talks, Esboços e projetos, The Role of the Physical Environment in the Hospital of the 21st Century: A Once-in-a-Lifetime Opportunity, Psicologia Ambiental, ArchDaily, Vitruvius, Portal Educação, SciELO